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Carta aos policiais brasileiros



Caros colegas, irmãos de armas, o presente texto é um convite à reflexão e meditação. Os ventos de mudança sopram forte e é chegada a hora da grande batalha, aquela que se impôs pelo próprio efeito do tempo, do perecimento gradual e natural de tudo que existe, tudo é biodegradável, da matéria às ideias, modelos e sistemas.

A batalha que se avizinha é interna, de metamorfose, do novo contra o velho, tão necessário ser vencida quanto o oxigênio ou a água são para a manutenção da nossa vida. É interna, pois envolve seus atores, envolve vencer obstáculos diversos, como o medo do desconhecido, a movimentação da inércia confortável, a necessidade de se reinventar, de se adaptar, portanto, de evoluir.

A lide em questão é a imprescindível e inadiável reengenharia do sistema de segurança pública, incluindo mudanças de modelos, redefinições, reorganizações, reestruturações. 

O caos que nosso país enfrenta na segurança afeta todas as outras áreas, num efeito sistêmico, inibidor do tão esperado salto de progresso que nossa sociedade tanto almeja e nosso país tanto precisa.

O contexto social, político, econômico e cultural não é só propício às mudanças, mas praticamente impositivo. Nossa sociedade não pode mais pagar conta tão alta e receber, em contrapartida, não apenas serviço ruim, mas a carência do que não pode faltar para a própria sobrevivência da ordem social: segurança. 

Não podemos continuar aplicando as velhas fórmulas acreditando que os resultados sejam diferentes, pois não serão. O velho discurso não mais se sustenta pelo empirismo, aquele assim: faltam verbas, condições, estruturas física e humana. O ciclo da ineficiência continua sua senda, com a compra de viaturas, armas e contratação de mão de obra.

E assim a torneira segue irrigando, jorrando dinheiro, mas a coisa não melhora. Sabemos o porquê: não adianta colocar dinheiro bom em coisa ruim. Com modelos ultrapassados e que não atendem mais as expectativas dos tempos atuais, anacrônicos e ineficientes, não sairemos do fundo do poço que já há algum tempo estamos sondando.

É preciso fazer autocrítica, é preciso fazer mea-culpa. Não dá mais para terceirizar responsabilidades, se somos nós os operadores da segurança pública, aqueles que têm o dever legal e moral de satisfazer as necessidades públicas, de garantir a lei e a ordem, base para a paz social. É preciso ver o sangue em nossas mãos.

Nesse processo de mudanças, teremos que, para um bem maior, nos despir de vaidades, desapegar de exclusivismos, de reserva de poder, de “farinha pouca, meu pirão primeiro”. 

Pois ou pensamos no sentido maior da nossa própria existência, de sermos policiais, para servir e proteger, prestando serviço público de qualidade, ou permaneceremos num embate de egos, vaidades e interesses classistas às custas do interesse público, e mais, do sangue inocente que escorre nas ruas, nesse crescente sem fim da violência. 

Não é mais possível insistirmos na divisão do ciclo policial, sendo que o maior contingente é proibido de investigar. Qual o resultado desse gargalo senão o acúmulo invencível de trabalho nas mãos das ditas “polícias judiciárias”, formando o que podemos chamar de gargalo institucional.

É razoável que equipe de policiais militares ou rodoviários federais, por exemplo, gaste precioso tempo e recursos para, não raras vezes, ter que se deslocar por até centenas de quilômetros para que uma outra polícia faça aquilo que já poderia ser feito pela primeira? 

Qual o preço que a sociedade paga por isso?

E o que dizer das carreiras policiais, ou melhor, das meias carreiras? Temos polícias que fazem apenas parte do ciclo policial, portanto, meias polícias, assim como temos suas carreiras também divididas: meias carreiras. 

Com exceção da Polícia Rodoviária Federal, nas demais polícias, os policiais que entram pela base e realizam o trabalho operacional, a linha de frente e o grosso do trabalho preventivo e investigativo, são impedidos de chegar aos postos de gestão e comando em suas instituições. 

O quanto se perde em experiência? Quanto do conhecimento é perdido em razão da prática do serviço operacional ser divorciada da teoria das decisões diretivas? 

Em qual tipo de carreira teremos policiais motivados, incentivados ao constante aprimoramento acadêmico e técnico, ao comprometimento e doação ao serviço e instituição por toda a sua vida profissional? A resposta se impõe pela lógica.

Nos melhores modelos de polícia mundo afora, as carreiras são vistas como questão primordial na funcionalidade e qualidade dos serviços prestados. No processo de mudanças em tela, imprescindível reestruturar as carreiras policiais, transformando todas elas em verdadeiras carreiras com única porta de entrada pela base.

Para vencer a grande demanda e os vários desafios emergentes, para recuperar o que décadas de abandono e insistência em velhos modelos foi capaz de produzir, um cenário de caos, vamos ter que superar nossas visões individuais, nossas doutrinações, formatações que nos parecem naturais, assim como velhos protocolos. 

Em nosso favor existe o fato de não precisar reinventar a roda, basta seguirmos os caminhos antes percorridos por outras nações, que lograram êxito em criar sistemas funcionais, com modelos modernos e eficientes.

Nos EUA, por exemplo, as polícias municipais ou metropolitanas têm grande parcela de responsabilidade no sucesso da prestação do serviço de segurança pública naquele país. Assim, como quanto mais policiais estiverem investigando será melhor para a diminuição dos índices de impunidade, mais policiais nas ruas são imprescindíveis para a manutenção da ordem e controle da criminalidade urbana. 
Num modelo ideal que podemos construir, as atuais Guardas Municipais não só podem, como devem ser transformadas em polícias.

Também os agentes penitenciários, através de PEC em tramitação no Legislativo, podem vir a contribuir ainda mais à segurança pública se transformados em policiais penais, com as atribuições e prerrogativas necessárias para fazer frente à recuperação do sistema de execução penal.

Por tudo isso, esta associação clama a todos os policiais e suas representações para que, juntos, possamos enfrentar essa verdadeira batalha que será um divisor de águas em nosso país: do país da impunidade, da violência, dos mais de 60 mil homicídios por ano, do crime organizado e da corrupção, fincaremos os dois pés no século XXI, com um sistema moderno e eficiente, baseado nas melhores práticas do mundo, um país com um povo orgulhoso, de policiais honrados e competentes, que conquistarão o respeito da sociedade, não “a fórceps” mas por mérito e profissionalismo.

Chega de reserva de poder, chega de vaidades, chega de exclusivismos e preciosismos, só venceremos unidos, ombreados.

Existe um esforço conjunto de quase totalidade das representações dos policiais junto ao governo eleito para implementar um grande pacote de reformas na segurança pública. Junte-se a nós neste processo. Sua participação é importante. 

Mas lembre-se, precisamos unir esforços, precisamos de consenso, precisamos de sintonia fina, de desapego do velho para viver o novo, que, certemente, será melhor para todos, sem exceção. 

Repasse este texto aos demais colegas policiais e operadores da segurança pública, compartilhe em grupos, discuta, se envolva. Todas as mudanças são políticas e precisam da participação do maior número de pessoas.

Somos milhares, juntos somos invencíveis.  

Um abraço fraterno.

ANEPF - Associação Nacional dos Escrivães de Polícia Federal
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